Reportagem Quilombolas - Comunidade São João


quinta-feira, 16 de junho de 2011

CARTA DA VIVAT INTERNATIONAL À ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO EM APOIO AS COMUNIDADES TRADICIONAIS DO VALE DO RIBEIRA QUE REALIZAM SUA PRIMEIRA AUDIÊNCIA PÚBLICA 10 DE JUNHO DE 2011

Excelentíssimos membros da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, companheiros de luta e demais presentes à 1ª Audiência Pública das Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira.

            A realização deste evento é de fundamental importância não apenas para as Comunidades Tradicionais e para a região do Vale do Ribeira, como também para a discussão e definição de novos rumos na política paulista.

            Não é a primeira vez que Remanescentes de Quilombos, Indígenas, Caiçaras e um coro cada vez maior de cidadãos paulistas vêm pedir às autoridades do Estado o cumprimento mínimo de obrigações previstas tanto na Constituição Federal como na legislação de São Paulo.
            Tampouco é novidade a ínfima quantidade de recursos disponibilizados anualmente no orçamento estadual para estas populações. Apesar dos números recordes na arrecadação, a negligência do Estado para com ribeirinhos, caboclos ou indígenas permanece constante. No Estado mais rico da Federação, falta saneamento básico, habitação digna, atendimento de saúde qualificado, reconhecimento de terras e acesso a muitos outros bens e serviços elementares. Faltam alternativas econômicas viáveis para estes povos e seguem inexistentes planos concretos de inclusão social que respeitem seus modos de vida e de produção coletivos e tradicionais. Não cabe, portanto, falar-se em “reserva do possível” diante de um pretenso estágio de “mínimo existencial”, pois falta o mínimo à existência de tais cidadãos organizados em comunidades excluídas.
            Embora denominada primeira Audiência Pública das Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, este evento, infelizmente, não traz nenhuma novidade substantiva. Mais de duas décadas após a promulgação da ‘Constituição Cidadã’, as autoridades – tanto Executivas quanto Legislativas – do Estado de São Paulo permanecem inertes aos direitos garantidos por lei a populações Indígenas, Ribeirinhas, Quilombolas, Caiçaras entre tantas outras. A locomotiva da nação, orgulhosa de seu protagonismo econômico e político, repete os mesmos erros do Governo Federal e continua negando a plena cidadania a milhares de seus cidadãos.
            Apesar dos incontáveis apelos feitos há décadas por movimentos sociais, associações locais, sindicatos e ativistas, o Governo do Estado segue praticando uma política que é, em larga medida, contrária não apenas às demandas dos povos tradicionais como também opostas a um efetivo desenvolvimento do Vale do Ribeira.
            Ditas “políticas de desenvolvimento”, as iniciativas governamentais ora ignoram completamente os interesses das populações mais necessitadas, ora facilitam a execução de obras e projetos que contribuem para a ampliação da exclusão social, para o enriquecimento de alguns poucos beneficiários e para a contínua marginalização política e econômica do Vale do Ribeira dentro do cenário paulista e nacional.
            Dentre os inúmeros flagrantes destas “políticas de desenvolvimento”, vale mencionar a conivência do Estado para com os planos de construção de barragens no rio Ribeira do Iguape e a política ambiental excludente promovida pela Secretaria do Estado do Meio Ambiente. Ambos os casos refletem o modelo retrógrado de proteção ambiental sustentado pelo Governo do Estado, a limitação das autoridades em lidar com os problemas estruturais do Vale do Ribeira e sua inaptidão em enxergar as inúmeras potencialidades da região e de seus habitantes.
            Em nome da proteção do meio ambiente, o Estado insiste em manter o contorno de parques e áreas de proteção ambiental que cerceiam os modos de vida e cultivo tradicionais e lançam as populações locais na ilegalidade. Incapaz de reconhecer a importância fundamental de Quilombolas, Indígenas, Caboclos, Pescadores e Caiçaras para a conservação da maior área contínua de Mata Atlântica existente, o Governo do Estado insiste na promoção de políticas ambientais “sem gente”. Avesso a todas as evidências históricas e na contramão do socioambientalismo que ganha seguidores em todo o mundo, o Estado de São Paulo ainda reproduz em suas políticas de desenvolvimento um ideal atrasado, baseado na idéia de que “meio ambiente” e “ser humano” são excludentes, e de que não há como proteger o primeiro sem impedir as ações do segundo.
            Porém, ao expulsar do território as populações que dele tiram seu sustento de forma harmoniosa há décadas – ou séculos –, o Estado não percebe que expulsa, também, os principais defensores de biomas tão ricos quanto frágeis. Sem alternativas, direitos e garantias mínimas de vida, Quilombolas, Indígenas e Caiçaras continuam sendo forçados a migrarem para os subúrbios das já superpopuladas cidades do Sudeste; enquanto isso, a Mata Atlântica é deixada à mercê de especuladores, e o ônus da proteção do meio ambiente se multiplica. 
            Como se não bastasse, a única alternativa encontrada pelo Estado para reverter este ciclo decadente, que parece condenar o Vale do Ribeira ao eterno subdesenvolvimento, parece ser o contínuo apoio a grandes obras, como as hidrelétricas sobre o rio Ribeira.  Conivente com a visão de uma minoria, o Estado acredita que as barragens trariam emprego, investimentos e recursos para uma região “pobre”. Com isso, ignora-se a visão defendida há anos por uma esmagadora maioria dos moradores e defensores do Vale do Ribeira: as barragens trariam apenas benefícios temporários, atenderiam, sobretudo, interesses privados e trariam riscos irreversíveis para uma região extremamente rica – ambiental, cultural e socialmente.
            O que as autoridades não percebem, no entanto, é que enquanto mantêm uma posição ambígua com relação às barragens, contribuem ainda mais para o aumento da insegurança dos povos tradicionais do Vale do Ribeira. Afinal, sem a definição legal do uso das terras, sem a correta titulação e regulamentação de territórios ocupados por caiçaras, pequenos agricultores, ribeirinhos, indígenas e quilombolas e com a contínua ameaça de construção de barragens sobre o rio Ribeira, torna-se impossível elaborar um plano de desenvolvimento sustentável e de longo prazo.
            Contudo, esta Audiência Pública pode servir como uma etapa fundamental de um novo momento na política paulista para o Vale do Ribeira e seus habitantes. Após décadas de reivindicações e anos de políticas mal-sucedidas, os governantes e legisladores do Estado de São Paulo têm a chance, hoje, de começarem a redirecionar os planos de desenvolvimento para a região do Vale de modo a atender àqueles que realmente necessitam ser ouvidos.
            O Estado de São Paulo foi pioneiro em diversos momentos da história brasileira. Não apenas o Estado encabeçou a modernização econômica do país, como também foi inovador em períodos constitucionais, decisivo em momentos revolucionários e formador de quadros importantíssimos que contribuíram para a consolidação de leis, direitos e políticas democráticas no Brasil. No que diz respeito aos direitos de povos tradicionais, São Paulo também foi pioneiro e inovador, ao ser um dos primeiros Estados da União a criar garantias legais para a defesa dos territórios e promoção social de povos indígenas e remanescentes de quilombos.
            Hoje, é hora de decidirmos de que lado estamos. Reunidos na Assembléia Legislativa do Estado, devemos nos perguntar sobre qual modelo de política queremos e que futuro desejamos para o desenvolvimento de sua região mais excluída.
·        Devemos seguir praticando uma política retrógrada, atrasada e particularista, que defende os interesses de poucos em detrimento da maioria?
·        Devemos continuar apoiando modelos de proteção ambiental que excluem a população mais diretamente ligada ao meio ambiente?
·        Devemos continuar negando serviços e direitos básicos às populações tradicionais?  
·        Devemos continuar defendendo planos difusos e de curto prazo para o desenvolvimento do Vale do Ribeira?
OU:
·        Devemos reconhecer a tradição pioneira de São Paulo e reverter o ciclo de subdesenvolvimento que impera no Vale do Ribeira?
            É hora de empenharmos a coragem que fez de São Paulo um Estado tão importante para afastarmos de vez o retrospecto de anos de hipocrisia perante a situação do Vale do Ribeira!
            Nenhuma das reivindicações feitas aqui é nova. E é nossa responsabilidade decidirmos se queremos continuar dando as costas para as demandas dos povos tradicionais do Vale ou se queremos enfrentar de frente os desafios desta região – e as incríveis possibilidades que ela oferece.
            É hora das autoridades paulistas deixarem de lado interesses privados e metas de curto prazo para, de fato, fazerem história. É hora de darem ouvidos e mãos à causa de Quilombolas, Caiçaras, Ribeirinhos, Indígenas, Caboclos, Pescadores e tantos outros cidadãos que formam os pilares da sociedade paulista; que são não apenas os principais protetores dos cada vez mais escassos recursos naturais deste Estado, como também os únicos guardiões de conhecimentos, culturas e saberes que são patrimônios essenciais de São Paulo.
            Em nome da Justiça, do cumprimento de direitos constitucionais dos povos tradicionais, dos direitos internacionais que detêm à consulta prévia, livre e informada e em nome do desenvolvimento socioambiental sustentável do Vale do Ribeira, apoiamos  todas as reivindicações feitas pelas Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira pelo Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB), pela Equipe de Articulação e Assessorria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE) e demais entidades civis representadas nesta audiência públic
            Entidade detentora de status consultivo perante o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) e associada ao Departamento de Informação Pública (DPI), do Secretariado da ONU, a VIVAT INTERNATIONAL continuará supervisionando as ações do Governo do Estado e São Paulo no que tange às políticas e decisões que venham a afetar as comunidades tradicionais do Vale do Ribeira. A VIVAT está ciente dos compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro ao assinar a Convenção 169 da Organização do Trabalho bem como do apoio da missão brasileira do Brasil na ONU à Declaração Universal dos Direitos Indígenas e de Povos Tradicionais. Qualquer infração desses tratados que venha a ser cometida pelas autoridades paulistas será prontamente informada a organismos de arbitragem internacional.
Atenciosamente,
Felix Jones, Zélia Cordeiro
& Frederico Menino
VIVAT International
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
Departamento de Informação Pública do Secretariado da ONU
New York, 10 de junho de 2011

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